Nem vou falar das manifestações desastradas do Presidente da República, ou de seu novo Ministro da Saúde, este, coitado, mais perdido do que cego em tiroteio. Mas as cenas de cemitérios brasileiros, com aquelas centenas de covas à espera de novos inquilinos, nem de longe são coerentes numericamente com os anúncios de mortes pela pandemia vistos em estatísticas oficiais. A verdade é uma só: está morrendo muita gente no Brasil, mais, muito mais do que o habitual. Trago, a este respeito, algumas informações impactantes, a partir de fonte que me parece confiável, ou seja, um site que congrega dados dos cartórios de registro civil de todo o Brasil. Dizem elas, sobre nossa cidade: em todo o ano de 2019, 864 pessoas morreram de pneumonia ; já em 2020, de janeiro até a abril, em apenas quatro meses, portanto, foram 931 mortes. Sob o diagnóstico de insuficiência respiratória, no ano passado, faleceram 478 pessoas. Em 2020, pasmem, já são 544 casos nos quatro primeiros meses do ano. Mas tem mais!
Tem muito mais, na verdade…
No Brasil como um todo, em 2019 ocorreram cerca de 58 mil mortes por “pneumonia” e 44 mil por “insuficiência respiratória”. Já nesses primeiros quatro meses de 2020, tais registros já são de 54, 8 mil e 41,6 mil, respectivamente. Só no primeiro quadrimestre!Enquanto isso, os números oficiais de morte por Covid-19 são, até o momento, apenas 24 no DF e 2.462 no país. Será que aquelas covas que se veem em Manaus, São Paulo, aqui mesmo e em muitos outras cidades estão sendo abertas em vão?
A explicação para esta discrepância é simples: não há testes disponíveis em quantidade suficiente no país. Assim, muitas pessoas que estão adoecendo – e mesmo morrendo – têm diagnósticos apenas presuntivos, ou provisórios. E aqueles que morrem, para os quais é formalmente exigido que em seu atestado de óbito conste a causa da morte, recebem estes rótulos de “insuficiência respiratória”, “pneumonia” e outros. Mas não há dúvida de que o que está matando mesmo é a Covid-19 – aquele problema que o (atual) Presidente da República um dia chamou de “gripezinha”.
Assim, o que às vezes está sendo anunciado como “luz no fim do túnel”, por alguns políticos pressurosos, como o governador do DF, que se converteu ao negacionismo depois de uma oportunística conversa com Bolsonaro, representa na verdade uma visão distorcida da realidade, tal e qual Platão havia descrito em seu famoso Mito da Caverna
Mas atenção: retirei estes dados de um site que congrega informações dos cartórios de registro civil de todo o Brasil. Portanto, nem de longe podem ser considerados fake. Para acessá-los, de forma muito mais completa inclusive, por estado e até mesmo por município, veja o link seguinte: https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid?fbclid=IwAR2cZnGkikrikPXz7DhLCL0XQS5EYTn2ohNENvAKmKABza-wdte3ghXSy9U.
Luz no fim do túnel, na verdade uma locomotiva vindo em sentido contrário, para Bolsonaro, pelo menos, são as declarações bombásticas do recém ex-Ministro Sérgio Moro…
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Em tempo: Aproveito a ocasião para mais um breve comentário.
É permitido a quem quiser, acreditar que uma ditadura é melhor do que uma democracia para conduzir os destinos de uma sociedade. Só não vale querer a ditadura para os outros e a democracia para uso próprio – e nem achar que os nossos problemas advêm de um “excesso” de democracia. Todo mundo, igualmente, tem o direito de se manifestar sobre a gravíssima situação de saúde que vivemos hoje em dia e, da mesma forma, acreditar que possam existir diferentes formas de abordagem do problema, desde que confirmadas empiricamente com critérios científicos. Cada pessoa, de acordo com suas convicções ideológicas e íntimas, pode defender o retorno às atividades laborais, de forma mais ou menos urgente, desde que isso valha tanto para os mais pobres quanto para os mais ricos. Mas não é lícito sair às ruas dentro de carrões e portando máscaras e exigir isso… dos outros. Muito menos para fazer campanha contra a democracia. Porém, deve ser vedado a qualquer pessoa, em qualquer situação, defender a exclusão de outras pessoas a sejam pobres, sejam velhos, das medidas de proteção defendidas pela ciência. Mas há pessoas para as quais deve haver também restrições taxativas a se manifestarem sobre a situação sanitária atual: aquelas confiaram seus votos, em 2018, a este perfeito exemplar de político imaturo, despreparado, rancoroso, mal informado, necrófilo e desumano que é Jair Messias Bolsonaro. Este sujeito não acredita na ciência e não tem noção do que faz e além disso ainda empurra o povo brasileiro para um fatal desastre sanitário, ao mesmo tempo que ameaça a nossa duramente conquistada Democracia. Seus eleitores devem fazer uma profunda reflexão sobre as repercussões de sua opção nas últimas eleições. Daí poderão se arrepender e até serem perdoados, mas antes disso devem fazer profissão de fé na Democracia, na defesa dos Direitos Humanos, na Solidariedade. Mas atenção: em cartório, com firma reconhecida e perante pelo menos meia dúzia de testemunhas. E depois de uma quarentena de observação com prazo a ser definido…Em não agindo assim, deviam ficar calados!
Não se trata de negar a liberdade de expressão para alguns, mas sim um imperativo ético de manterem o silêncio por absoluta falta de condições morais para opinar sobre tal tema.
E para finalizar, que tal a imagem seguinte? Atentem para o de camisa vermelha, não para os capangas que o acompanham. Exemplar, não?



Flávio, a subnotificação é clara. Há cálculos que vão de 7 a 15 vezes.
No resto, completamente de acordo com o que fala de nosso “líder maior”. Ele é uma lástima, se bem que o verdadeiro desastre é a quantidade de apoiadores que amealhou e mantém. Esse é o verdadeiro desastre da nação porque se refere à coletividade, à sociedade, a quem somos.
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Flávio, o site ‘sinônmos. com’ dá os seguintes sinônimos de surreal: absurdo, incongruente, incoerente, ilógico, estranho, bizarro, esquisito, kafkiano. Pois é, voltei para Portugal ontem, depois de dois meses no Brasil. Abordando apenas o aspecto sanitário, estou muito preocupado com as prováveis consequências da irresponsabilidade geral reinante no país, a ponto de considerar a minha terra como um país surreal. Grande abraço.
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Professor, assustador o que aponta o site de registro de óbitos para o DF, somado a notícia de que há fila de espera para leitos de CTI não -Covid de mais de 30 pessoas…
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Obrigado por seu comentário, Patricia. Leitores assim me inspiram¹
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