Os resultados da ocupação militar no Ministério da Saúde já se fazem notar: equipes técnicas dispersadas, informações escamoteadas, idas e vindas, gente não qualificada ocupando postos-chave, ideologização das decisões, endosso da fake-farmacologia presidencial, erosão simbólica da presença do Brasil em organismos internacionais etc. Mas tem mais – este governo não cansa de causar surpresas desagradáveis aos brasileiros que pensam e se preocupam de fato com o país. Vejo na imprensa que após enfraquecer os órgãos de fiscalização ambiental como Ibama e ICMBio com cortes orçamentários e perseguições políticas, o bolsonarismo investe na militarização também como política de proteção ambiental, mesmo em um momento em que as queimadas e desmatamentos na Amazônia cresceram mais de 60%. Eis que Bolsonaro tirou da cartola (ou do quepe) um dos tais decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que atribui às Forças Armadas a proteção da floresta amazônica. Por um mês, apenas – menos mal. Foram empregados quase quatro mil homens, uma centena de veículos, além de embarcações e aeronaves. O custo? Nada menos do que de 60 milhões de reais, que equivale ao orçamento anual do Ibama para o controle e a fiscalização ambiental, só que em todo o território nacional.
Vai-se aproveitando, assim, a oportunidade, como anunciado pelo notório Ricardo Salles, naquela reunião pornô de 22 de abril pp, de “passar a boiada”, ou melhor dizendo, o trator, nas normas e decisões políticas vigentes em tempos normais, em relação ao meio ambiente. O Ibama, onde se situam os reais especialistas na questão ambiental, foi solenemente ignorado, assim como os pareceres do mesmo em relação à estratégia mais adequada para tais ações.
O Governo discorda, claro, e até diz a iniciativa vem tendo sucesso. Mas é bom lembrar que o Ibama, vítima habitual de preconceitos e mesmo repressão no atual governo, foi totalmente alijado das operações. Funcionários do órgão deploram o custo exagerado e a baixa eficácia de tais trabalhos, quando comparados ao modus operandi habitual. Além disso, claro, trata-se de uma operação com data marcada para começar e terminar, com a devida publicidade marqueteira oficial, que serve para alertar os eventuais incriminados e facilitar seu disfarce ou evasão. Depois, sobrará para quem tem a missão institucional de fazer o controle, só que no dia a dia, como os funcionários do Ibama.
Isso me fez lembrar um a situação que enfrentei por diversas vezes, há alguns anos atrás, quando fui Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia. A cidade é sede de um batalhão de “Infantaria Motorizada” (sic) e seus membros, chefiados por um Coronel, à falta de atividades mais úteis para desempenhar, se propõem a fazer, anualmente, em um único final de semana, uma denominada “Ação Cívico Social”, levando assistência médica e odontológica, além de alguns outros serviços de utilidade púbica (no caso, prestados por outras instituições que não o Exército), a territórios pontuais no município. Escolhiam sempre o distrito rural de Cruzeiro dos Peixotos, situado a pouco mais de 20 km da sede, com acesso por via asfaltada, embora houvesse localidades mais pobres e mais remotas. Até aí, tudo bem. Mas o tal distrito já tinha tanto assistência médica como odontológica a seus moradores, prestada pela SMS de forma contínua, através de equipes de Saúde da Família. Não era nem mesmo uma questão de redundância; se fosse só isso, o que abunda não prejudica, como diziam os antigos. O problema é que tal operação tinha um custo elevado, em termos de combustível, refeições e outras formas de apoio, que a Prefeitura se via obrigada a bancar. Afinal, quem é que vai dizer “não” a um coronel fardado?
Pois bem realizava-se aquele convescote verde-oliva anual, os bravos integrantes do Batalhão 36º posavam para fotos, recebiam cobertura da imprensa (quem vai dizer não?) e na segunda feira a vida me Cruzeiro dos Peixotos voltava a ser como era antes.
Já nesta época –e mais ainda agora – afirmo sem ressalvas: militares, cuidem do que é sua tarefa real! Porém, devo admitir que eu também não sei identificar exatamente qual seja tal tarefa, mas certamente não seria a de cuidar da saúde, do meio ambiente e da educação, ainda mais autonomamente como se vê agora. Isso traz ao país mais problemas do que soluções, sem dúvida.
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Nem bem eu havia acabado de escrever o post acima quando se noticiou que o general comandante da saúde dá as regiões Norte e Nordeste do Brasil como pertencentes ao hemisfério Norte. É impossível deixar de lado um sonoro “eu não dizia?”. Assim, a ilustração da presente matéria, com a figura do trapalhão Sargento Tainha, está mais do que justificada. E ainda vem outro general (qual mesmo?) dizer que não há risco de golpe militar, desde que a gente não vá esticar a corda.
Desculpe, general: só esticando a corda mesmo…
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Veja a matéria do El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-26/exercito-vai-gastar-em-um-mes-de-acao-na-amazonia-o-orcamento-anual-do-ibama-para-fiscalizacao.html?prm


As trapalhadas militares do governo Bostonauro revelaram o que acontece quando eles resolvem sair dos quarteis em busca do que fazer e para ter uma boquinha a mais. Fizeram isso em todas as áreas. Por onde passou essa boiada ficou o esterco e a terra arrasada. Cerca de 6 mil militares ocuparam postos de civis nesse governo que vira pó com a perda das eleições desse pateta.
Infelizmente o caso citado em Uberlândia é comum: eles se acham donos do Brasil – quem tem farda manda, acreditam. E a gente fica com medo porque sabe que se questionar pode acabar nessa câmera de gás móvel criada pela PRF ou morrer “de bala perdida” de um PM.
Bom texto, Flávio
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Obrigado por ler e comentar meu texto!
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