Covid-19 (de junho) no DF

Por estes dias ficamos sabendo de uma curiosidade trazida à luz por historiadores, qual seja que, em meados do século XIX, o Rio de Janeiro foi assolado por uma epidemia de febre amarela, trazida da Europa a bordo de navios. Foram muitas as mortes e entre os intensos debates travados na ocasião, registraram-se muitas controvérsias em que se envolveram membros do Legislativo, com alguns deles perorando contra o “sensacionalismo e o estado de terror” que as notícias da epidemia instilavam na população, denunciando também os possíveis equívocos dos diagnósticos firmados pelos médicos. Um desses políticos, um senador mineiro, morreu de febre amarela poucos dias depois de apoiar com veemência tais ideias negacionistas. Pelo visto, é história que se repete hoje. É bem verdade que o Imperador D. Pedro II não entrou em tal clima e chegou até a visitar doentes nos hospitais, reconhecendo a relevância do problema. Mas como dizia Karl Marx, a história se repete como como farsa. E por falar nisso, em termos de Covid 19, como estão as coisas hoje, dia 19 de junho de 2020, no Brasil e aqui no DF, mais de um século e meio após os eventos no Rio de Janeiro? O que temos de farsa ou verdade no cenário?

Nesta semana, o Distrito Federal ultrapassou os 29 mil casos confirmados da doença, com quase 1,4 mil novos casos ao dia e as mortes chegando a 400. A distribuição dentro do DF parece ser bastante “democrática”, com vítimas em Ceilândia, Samambaia, Taguatinga, Plano Piloto, Planaltina, Gama, Guará, Sobradinho, Núcleo Bandeirante, Lago Sul e outros setores da cidade.

No Brasil, a marca é de um milhão de casos confirmados, com as mortes alcançando celeremente os 50 mil.

Outros dados divulgados pela Codeplan, relativos ao DF, fazem projeção de que vão ocorrer até o último dia do corrente mês de junho um pouco mais de 39 mil pessoas adoecidas pelo vírus e pelo menos 570 mortes. Até o dia 14 de julho seriam 56.662 casos e 879 óbitos.

Registra-se, também, a possibilidade de alguma queda da taxa de crescimento dos casos de Covid 19 no DF, já que foi registrada queda de 3% entre os dias 24 de maio e 13 de junho. No período entre 7 e 13 de junho a taxa de crescimento do número de pessoas com confirmação da doença foi de 4,1%, enquanto na semana de 24 a 30 de maio, o índice era de 7,1%. Se tal movimento se mantiver constante, o DF levaria entre 17 e 18 dias para dobrar os casos, ao contrário dos 10 ou 11 dias previstos com a taxa de crescimento anterior.

Há previsões de que isso já esteja acontecendo, também, em nível nacional, mas a sabida subnotificação e também a demora em confirmações laboratoriais impedem que tal interpretação seja totalmente confiável.

A testagem rápida hoje realizada pela SES-DF, entretanto, não alivia a barra por aqui, por apresentar expressiva margem de erro e medir apenas a prevalência da doença, ou seja, definir quantas pessoas tiveram o coronavírus, ao invés de quantas se contaminaram. Especialistas duvidam de que seja verídica tal queda de casos, que seria algo a ser confirmado apenas com o teste PCR, mais apurado.

Por sua vez, a imprensa – e mesmo a Codeplan – insistem em mostrar estatísticas comparativas entre o DF e estados, não com outras cidades de mesmo porte de Brasília, bem como apenas o registro de casos absolutos, não de incidência proporcional por cem mil habitantes. Já comentei aqui como isso é pouco produtivo, mostrando também cálculos que corrigem tais distorções, os quais revelam que a nossa posição no “ranking” (palavra indevida, mas vá lá) nacional não chega a ser confortável, pelo menos se compararmos a performance daqui com cidades como Curitiba, Porto Alegre, e BH. Em relação a Fortaleza, Manaus, Recife e Belém “ganhamos” de lavada. Mas não é isso que interessa claro.

O que realmente importa é: a curva da incidência na cidade ainda aponta para cima, mesmo que de forma mais atenuada do que a de outras cidades. O mesmo acontece com os dados nacionais. As atuais medidas de relaxamento assumidas pelo GDF, em sintonia com os desejos das autoridades federais e mesmo com as decisões de governantes outras cidades e estados representam um grande risco para a população e uma prova de irresponsabilidade no trato com uma situação tão grave como é a atual pandemia de Covid 19.

Farsa ou verdade? O problema é que estamos alternando momentos de veracidade, geralmente favorecidos pela ausculta dos técnicos dos órgãos de saúde, ao mesmo tempo em que surgem crispações farsescas por parte das autoridades mandatárias. Quem haverá de nos proteger?

***

Momento Cultural…

No século XIV, em plena Era Medieval, acontecimentos narrados no livro de Giovanni Bocaccio, Il Decameron, falam dos efeitos da Peste Negra na cidade de Florença, onde dez jovens retiram-se da cidade para que, entre prazeres amenos e poesia, tentarem buscar a moralidade e a razão. Contam assim, uns para os outros, dez histórias a cada dia, durante dez dias – donde o nome da obra. Assim se perfila uma alegoria da vida humana, com seus desencontros, sentimentos, morte e superação, indo da degradação à elevação. Nada do que é humano ali é estranho, enquanto um novo mundo e uma nova vida começam a nascer.

Trouxe aqui tal referência para compartilhar com os leitores, para juntos nos unirmos contra o negacionismo ibano-messiânico, ou sejam aquelas ideias revestidas por uma “modernidade” que nos traz de volta o século XIV ou, na melhor das hipóteses, o XIX.

Leia mais: https://saudenodfblog.wordpress.com/2020/03/27/cenas-de-uma-quarentena/

***

O Decameron fala de “cadáveres insepultos nas ruas”. Ainda não os temos materialmente aqui no Brasil, embora simbolicamente, sim. Veja-se, por exemplo, a presença pestilenta de Weintraub, Jair Messias, Araujo e outros, prestes a serem enterrados pela História, mas até lá espalhando sua toxicidade… Mesmo que o cadáver do primeiro já tenha sido despachado para outras terras.

***

Para maiores informações:

***

 

Uma resposta para “”

  1. É a pergunta que nunca cala: Quem haverá de nos proteger?
    Talvez nós, a nós próprios, contrariando todas as inescrupulosas medidas de relaxamento, sustentando bravamente o nosso isolamento social.

    Curtir

Deixe um comentário