Registro aqui hoje, com real satisfação, três artigos publicados na recém lançada Revista HRJ, sobre a qual já comentei aqui. A revista e também os autores de tais artigos são ligados à Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) da SES-DF e trazem à luz importantes contribuições ao entendimento das estratégias de atenção à presente pandemia. Com efeito, o panorama de informações sobre tal fenômeno, de um lado, digamos “do bem”, é muito enfático a respeito de uma tríade, constituída por medidas de isolamento, uso de máscaras e vacinação (quando esta estiver disponível). Do outro lado, este o mais maléfico possível, “capitaneado” por autoridades diversas, estão a prescrição de cloroquina, de ivermectina, do remédio israelense, além de desprezo e negligência face ao potencial incapacitante e letal do vírus. Mas mesmo naquelas recomendações “sensatas”, creio que tem faltado enfatizar uma cristalina verdade, confirmada nos quatro cantos do mundo, qual seja a relevância que possuem os sistemas de saúde organizados com base na atenção primária no controle da situação pandêmica que atravessamos e de seu enorme custo material e humano. É disso que tratam os artigos aqui analisados neste momento, com a vantagem que traduzem visão e também experiências que têm como sede a nossa cidade.
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Já no editorial, “A atuação da Atenção Primária à Saúde na pandemia da SARS-COV2”, Bruna Ilha Pereira, enfatiza os desafios que a situação nos trouxe neste último ano, em questões como isolamento social, interações à distância, novas formas de trabalho, mudanças de padrão de consumo, impactos socioeconômicos, entre outras. Isso acompanhado por um cortejo de desespero da população, de insegurança política, de corrida por testes laboratoriais, de ameaças à economia do país e das famílias, de isolamento social, de explosão de fake news etc, além da mudança de três ministros da saúde. SUS ficou ameaçado, mostrando (talvez não para todos) que não estava preparado para atuar sem a APS, que deveria ser a verdadeira porta de entrada do usuário, além de estratégia de organização do cuidado em saúde. Com efeito, aquele “primeiro contato” que a APS faculta e facilita seria essencial para diminuir a superlotação dos hospitais, além de medidas associadas a ela, como o telemonitoramento e a prática da integralidade, considerando que as pessoas possuem muito mais necessidades de saúde do que as que a pandemia trouxe. Tal coordenação do cuidado, que é um atributo genético da APS, traz não só impactos no acompanhamento de egressos de internação, mas também no monitoramento dos sintomáticos e portadores de complicações. Aspecto fundamental é a abordagem familiar e comunitária, prejudicada, todavia, pela escassez ou incipiência de recursos tecnológicos e de pouco investimento nesta área. Competência cultural é também um ingrediente essencial trazido pela APS, gerador de aproximação com a população, dentro de um cenário de incertezas. O lado bom disso é que foi possível às equipes de saúde se adaptar aos desafios, articulando novas maneiras de atuação, práticas multiprofissionais, monitoramento à distância, uso de equipamentos de proteção individual, elaboração de protocolos, trabalho integrado com a vigilância epidemiológica. O maior dos desafios é sem dúvida o próprio momento de transformações que se atravessa, no qual é preciso se estar atento não só para o desenvolvimento de novas tecnologias, como dedicar olhar mais apurado à população mais vulnerável. Torna-se preciso, também, atuar mais ativamente de forma remota ou presencial, encarando as incertezas e a gestão do cuidado, com ênfase no enfrentamento da demanda reprimida. A inovação é fundamental, sendo necessárias novas estratégias, novos planejamentos, novas metas; sem esquecer da luta por financiamento suficiente à saúde pública.
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Rafael Rodrigues e Danielle Jardim Mendonça Cardinali, nos trazem a reflexão intitulada “ A COVID-19 na Atenção Primária à Saúde: mais um desafio”, lembrando de início que a presente experiência pandêmica foi algo totalmente inédito para a sociedade. Diante desse cenário, com a ausência de tratamentos para essa doença, foram adotadas medidas drásticas de enfrentamento, dentre elas, estratégias de distanciamento social, como o lockdown, para conter a velocidade de disseminação deste agente, o que causou profundas mudanças na sociedade. Apesar disso, mesmo com grande potencial de transmissão, cerca de 80% dos casos da doença são leves e não carecem da utilização de serviços especializados, cabendo sem dúvida aos serviços de APS. Mesmo apesar disso, a maioria dos países utilizou como estratégia de combate à doença o fortalecimento do nível hospitalar, o que representa um indiscutível paradoxo, frente ao qual é importante refletir se realmente para um sistema de saúde desempenhar seu papel de prover saúde, em nível mais amplo, especialmente em meio à pandemia, bastaria apenas expandir leitos hospitalares com toda a complexidade e alto custo inerentes. Ao contrário, o importante seria reorganizar toda a estrutura das redes de atenção à saúde, provendo novas tecnologias e cuidando também dos profissionais de saúde.
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“A vigilância em saúde nos territórios e a pandemia de COVID (A falta de) O papel da Atenção Primária à Saúde”, é o artigo trazido por Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti e Carolina Xavier de Bastos, respectivamente docente e residente da ESCS. Trata-se de um texto de análise crítica sobre a atual situação, dentro da qual se busca entrever possíveis saldos positivos em meio ao avanço de uma doença que, no limite, ameaça a própria existência da humanidade. E eles questionam, de início: ao fim e ao cabo seriam os sistemas de saúde fortalecidos? Lembram, todavia que a “sanha mercantilizadora” costumeira poderia prevalecer, deixando a saúde e as vidas mais ainda expostas. Discutem a essência da estratégia de APS, reforçando que, no Brasil, esta medida para enfrentamento da pandemia já era “obra pronta” e simplesmente não foi devidamente utilizada, especialmente seu atributo de vigilância em saúde nos territórios, contestando a prioridade do governo federal no enfrentamento da COVID19, dirigida à compra de respiradores, abertura de leitos de UTI e oferecer tratamentos sem comprovação científica. Assim, o discurso e a prática do MS sempre foram centrados no atendimento hospitalar, com pouco ou nenhum foco às ações de vigilância. Nos documentos disponíveis, não ocorrem, por exemplo, referências à testagem em massa, ao rastreamento de contatos, isolamento, quarentena, dentre outras medidas de sucesso adotadas por inúmeros países que obtiveram bons resultados no controle da pandemia. A única medida clara do MS nesse sentido veio apenas seis meses depois da ampla disseminação da doença: a portaria 2.358/2020, que instituiu incentivo de custeio para ações de rastreamento e ao monitoramento de casos, ainda assim restrito aos meses de outubro, novembro e dezembro. Contudo, se a APS está atualmente enfraquecida pela alta demanda e de certa forma condenada a funcionar sob a mera lógica de pronto atendimento, as diretrizes da PNAB, caso acatadas, fariam com que as equipes de APS oferecessem, de fato, contribuições fundamentais ao controle da pandemia. Mesmo assim, não por acaso, florescem múltiplos exemplos de equipes de APS que, por todo o país, buscaram realizar e estimular ações nos territórios em meio à pandemia, tanto em relação aos casos de COVID 19 em si, quanto em relação a outros efeitos gerados pela pandemia (violência doméstica, sofrimento mental devido ao distanciamento etc).
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Leia os textos completos em: https://escsresidencias.emnuvens.com.br/hrj/issue/view/8
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E tem mais coisas boas publicadas…
Uma nova Newsletter (#154) do Instituto de Estudos e Pesquisas em Saúde (IEPS), instituição fundada por Armínio Fraga e que tem muita gente boa em seus quadros (já comentei sobre ela aqui) traz um série de informações importantes sobre a pandemia, no Brasil e no mundo.
Acesse (é gratuito): https://ieps.org.br/
Ou consulte a lista de itens no print abaixo: …

