Com atuação marcada por silêncio eloquente após um ano de pandemia, que já matou mais de 250 mil pessoas no Brasil e quase 5 mil aqui na nossa cidade, o Conselho Regional de Medicina do DF achou por bem vir a público para trazer sua contribuição à solução do problema. Divulgou, no dia 1º de março último, uma nota pública na qual condena taxativamente as medidas de intensificação de isolamento social determinadas pelo governo local. Para quem vinha sendo acusada de omissão face à pandemia eis um motivo para que tal entidade venha a ser lembrada no futuro. É um retrato do Brasil, por certo, mas por que justamente os médicos de Brasília (ou uma parte deles, seus representantes no CRM), resolve se antepor ao que é hoje resultado de generalizado senso comum, além de consenso científico internacional? Sabe-se lá… Os argumentos dos doutores são frouxos, risíveis. Apelam, entre outras boutades que comentarei a seguir, para a surrada versão dos prejuízos à economia. É reveladora aqui a verdadeira demonstração do DNA de tal inspiração. Já vimos e ouvimos isso repetidas vezes, pela boca do indivíduo que atualmente ocupa a Presidência da República. Seria subserviência? Irresponsabilidade? Ignorância pura e simples? Ou, sem sabe, uma mistura desses três predicados?
Ainda no afã de imitar o ocupante do Palácio da Alvorada (ou dos aviões da FAB, porque no Planalto, pelo visto, ele mal dá expediente), prosseguem citando uma afirmativa não comprovada de que a própria OMS (porém apenas nas palavras de um ignoto senhor fulano de tal), questionaria tal medida, dizendo-a capaz apenas de deixar os pobres mais pobres, sem efeitos sanitários comprovados. Afirmativa não comprovada, pinçada de algum discurso, oriunda de uma pessoa física qualquer, não da OMS em si e, além do mais, negada pela realidade dos fatos em todo o mundo. Aliás, já ouvimos algo assim a respeito do uso de máscaras, da estratégia de aglomerar pessoas, do uso de medicamentos sem comprovação, de mamadeiras fálicas – e por aí vai. E a origem de tais besteiras já é bem conhecida, não faltando caixas de ressonância para elas em todo o Brasil, como no caso presente.
E dizem mais. Por exemplo, que o estado do AM “com o maior índice de isolamento social no Brasil” (!) apresentou o maior índice de mortes por Covid nos 45 dias que se seguiram às medidas implementadas de lockdown pelo governo local. É o exercício da pós-verdade trumpista em estado puro, com certeza. Não só o estado teve tais medidas proteladas, mal divulgadas, desobedecidas e menos ainda fiscalizadas pelas autoridades, como um dos babies presidenciais, o zero-qualquer-coisa, esteve na cidade para dar uma força aos negacionistas locais, no que foi acudido de pronto pelo excelentíssimo general Pesadello, ele mesmo, aquele “especialista em logística”. A pergunta é: que jornais andam lendo ou em que fontes de informação se inspira a egrégia diretoria do CRM-DF? Deve ser em algum press-release do Palácio do Planalto…
Lamentam o acréscimo de doenças mentais, o abuso de álcool e drogas, o descontrole nas doenças crônicas que se agravaram durante a pandemia. Em tal quesito tentam passar a sensação de que afinal são médicos e se preocupam com a saúde das pessoas. Curiosamente não se manifestaram sobre o acréscimo das agressões no ambiente doméstico, talvez por julgarem que isso não seria, também, um problema de saúde pública. Na mesma frase alertam para o “prejuízo irremediável à economia”. Sintomático, doutores…
Para não dizer que fazem apenas críticas, introduzem ao final da tal nota algumas sugestões, por exemplo, uso de mascaras, medidas higiênicas, vacinação, educação do público, incluindo aí também – pasmem – DISTANCIAMENTO SOCIAL. Talvez conheçam um modo mais eficaz do que as atuais medidas coercitivas (duras, porém necessárias), mas deixam isso para sugerir em outro momento, talvez quando a pandemia acabar.
Faltou só indicarem algum “tratamento precoce”. Mas isso pode aparecer em uma próxima “nota pública”. Aguardemos.
***
Nem tudo é silêncio felizmente…
Eduardo Pinheiro Guerra, ex-presidente da entidade (em tempos melhores) já mandou seu recado – vejam abaixo:
<<Acredito que a maioria dos colegas médicos do DF, como eu, foram surpreendidos com o inusitado ofício CRM-DF n° 905/2021 – GABIN, dirigido ao senhor Governador do DF, condenando a adoção, pelo governo, de lockdown como medida extrema de combate à pandemia de Covid-19. O CRM-DF, na pessoa do seu presidente, considera tal medida ” ineficaz, atentatória contra direitos fundamentais da Carta Magna e condenada até mesmo pela Organização Mundial da Saúde”. Considera o lockdown “meia boca” de Manaus como evidência do fracasso da medida. Além disso, mistura, de forma errática, argumentos tais como aumento da incidência de doenças crônicas, desemprego, fome, prejuízo irremediável à economia, perda de empregos e de planos de saúde, para condenar a medida adotada pelo senhor Governador. Curiosamente, reconhece que a ocorrência de aglomerações no final do ano e no Carnaval aumentaram significativamente a transmissão do vírus mas, condena o lockdown e recomenda forte e cândidamente, ações preventivas amplamente divulgadas e mesmo assim, reiteradamente desrespeitadas. Sugere “o incentivo fiscal para que empresas de transporte coletivo possam ampliar a oferta de transporte..” Finalmente, apresenta “os estudos mais recentes publicados sobre o lockdown”, o que, na minha opinião, muito pouco contribui para a discussão de como enfrentar a atual pandemia. Finalmente o CRM-DF rompe o seu longo silêncio mantido durante esse duro período que vivemos e, acredito que o seu silêncio teria sido mais benéfico para a sofrida população do DF. Ao que parece, está inaugurada a era terraplanista da medicina do Distrito Federal.>>
***
A sociedade de Infectologia do DF também se manifestou.
<<A Sociedade de Infectologia do Distrito Federal informa que, apesar do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal ter nomeado uma Câmara Técnica de Infectologia, a mesma nunca foi consultada antes da emissão dos posicionamentos recentes, que são a favor do tratamento específico precoce para Covid-19 e contra o lockdown. O DF, assim como o restante do Brasil, encontra-se em uma grave crise de saúde pública e tal situação requer máxima expertise, para que as melhores medidas de contenção sejam implementadas, visando assim o benefício da sociedade como um todo. Soluções simples ou radicalismos não atendem à necessidade atual. O lockdown já se mostrou, em várias partes do mundo, uma medida útil para controle da transmissão da Covid-19, devendo ser adotado em casos extremos. No Distrito Federal, propõese no momento a restrição de atividades específicas e em horários delimitados. São lícitos os debates e os questionamentos sobre quais atividades devem, ou não, ser afetadas pelas restrições, bem como a duração desse período. Não é admissível, entretanto, que haja um posicionamento radical, contra a medida de forma geral, como fez o CRM-DF. A SIDF possui membros atuantes em todo o DF, nas redes pública e privada, e se dispõe a contribuir no que for preciso. Vale ressaltar que a implementação de medidas, que restringem a circulação de pessoas, deve ser baseada em indicadores que avaliem a representação de risco de cada uma das atividades envolvidas. Atenciosamente, Diretoria da Sociedade de Infectologia do DF Brasília, 01 de março de 2021>>
***
Da mesma forma agiu Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.
<<A Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília vem a público manifestar sua profunda preocupação com a divulgação da nota pública do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) contra as medidas adotadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) para diminuir o trágico impacto da pandemia de Covid-19 na população. No presente momento, a transmissão de SARS-CoV-2 apresenta curva ascendente, tanto no DF quanto nos municípios da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal (RIDE), com a ocupação de praticamente a totalidade dos leitos de UTI disponíveis. A situação é crítica e, como tal, exige intervenção imediata e categórica para diminuir o risco de perda de vidas pela falta de atenção adequada aos casos mais graves de Covid-19 e de evitar mortes por outros agravos prevenindo o colapso do sistema de saúde. O processo de vacinação da população mais vulnerável à doença grave encontra-se em andamento, no entanto, a escassez atual de vacinas demandará um período prolongado de vários meses, antes de que essa meta seja adequadamente atingida. A adesão às medidas de distanciamento físico, higienização frequente das mãos, uso de máscaras e de evitar aglomerações é fundamental para o enfrentamento da pandemia, porém, isso não é suficiente para reverter o cenário crítico atual na rede de atenção à saúde do DF. As medidas de restrição preconizadas no decreto do GDF são baseadas em evidências sólidas obtidas em estudos científicos bem desenhados e executados em diversos locais do mundo. Estas medidas reduzem a transmissão do vírus e que podem apresentar impacto positivo sobre o comportamento da epidemia, contando com a adesão da população. Assim, surpreende-nos sobremaneira a afirmação do CRM-DF ao argumentar contra uma medida destinada a evitar a morte das pessoas afetadas pela doença, em prol de interesses de natureza econômica e alheios ao seu dever de zelar pelo bom exercício da profissão médica. A atitude do CRM-DF tristemente contribui para reduzir a adesão às medidas e certamente terão um preço em vidas ceifadas pela doença. Portanto, a Câmara de Representantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília reitera o apoio às medidas de restrição adotadas pelo GDF e manifesta o seu compromisso com a implementação de políticas em saúde pública baseadas em evidências científicas para que o Sistema Único de Saúde possa garantir que todas e todos tenhamos oportunidade e acesso ao cuidado necessário, evitando perda de vidas por Covid-19. Brasília, 01 de março de 2021.>>
***
Um grupo de médicos do DF (ver nomes ao final) também se manifestou, lançando um manifesto que pode ser endossado por quem concordar com ele (ver link ao final).
<<Caros e caras colegas médicos e medicas do DF pedimos sua adesão à esse Manifesto contra a Nota do CRMDF em 01/03/2021 que se opõe ao lockdown para o controle da pandemia de COVID-19. Segue-se o texto do Manifesto:
Manifesto Contra a Propaganda Anticientífica do CRMDF: Pela Ciência, Pela Vida
Nesse momento de extrema gravidade da pandemia pelo Novo Coronavirus no pais, os Conselhos Regionais de Medicina de vários estados estão sendo instados pela direção central do Conselho Federal de Medicina a propagandear contra o fechamento das atividades que visa a defender a vida das pessoas contra a morte pela COVID-19.
O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal saiu na lista dos negacionistas contra a vida no dia primeiro de março de 2021. Lançou nota contra o fechamento seletivo ou total de atividades não essenciais, conhecido pela palavra inglesa “lockdown”.
Enquanto as evidências científicas , instituições e autoridades sanitárias falam em favor do distanciamento social e do ‘lockdown’ em picos epidêmicos transmissíveis de pessoa a pessoa, os representantes estatais dos conselhos médicos lutam contra a epidemiologia, contra a ciência, contra a ética médica e contra a vida. Desviando de suas funções e papel, propagandeiam politicamente a mentira da ineficácia do lockdown e de que a economia fica abalada com o fechamento e orientam que as pessoas não cumpram a medida governamental. Que saiam de casa para trabalhar, contagiar e morrer. Negam o benefício do lockdown que ocorreu em países que resgataram e preservaram suas economias populares e que saíram da crise da Pandemia da COVID-19 mais fortes e mais preparados para se recuperarem em prazo mais curto sem tantas mortes.
Essa iniciativa do CRMDF estimulando a livre circulação do vírus está na contramão do que pensam e fazem os médicos brasileiros que não estão contra a vida. Os brasileiros lutam para sobreviver e viver em meio à maior Pandemia do século e os Conselhos Médicos, que são autarquias do estado criadas para assegurar as boas práticas da medicina, lutam contra a ciência para fazer valer sua adesão ao comportamento político negacionista do governo que ocupa o Poder Executivo do país. De forma inadmissível, mudam sua missão em defesa da ética e da boa medicina para fazer política contra a vida.
Médicos deveriam servir para aliviar a dor e prolongar a vida. As manifestações dos diretores dos conselhos médicos estão servindo à morte e aumentando a duração e intensidade da dor que os brasileiros enfrentam. Privilegiam o equivocado conceito monetarista de que o governo corta despesas e não emite dinheiro para financiar o auxílio emergencial individual e o suporte às micro e pequenas empresas para não falir durante a epidemia. Apoiam que o governo brasileiro continue sua política perversa de pagar juros da dívida pública aos rentistas banqueiros e que não emita financiamento público para defesa da vida e da economia popular. Apoiam tratamentos falsos e ineficazes contra doença que mata e atuam contra a prevenção do contágio.
Hoje todas as evidencias confirmam que a economia somente tem chances se a pandemia for controlada. A pressa pela abertura de setores da economia não contribui com o controle da doença. Retarda. Favorece novas mutações e aumenta as mortes. O racional e cientificamente indicado é interromper a transmissão pra depois voltar com segurança.
A situação epidemiológica é gravíssima e tende a piorar caso não sejam adotadas medidas urgentes para diminuição da transmissão do vírus. Deixar o vírus circular favorece tanto a expansão como também a mutação do vírus. Essa variante disseminada no território nacional mostra que as manifestações clínicas da doença estão mais complexas, além de mais rápida evolução também são mais graves com transmissão mais alta, internações longas e letalidade maior. Há relação clara entre a letalidade e qualidade de assistência médico hospitalar e por isso garantir acesso a leitos assume grande importância. Por tudo isso, a Saúde Pública recomenda a alternativa o lockdown.
Manifestamos nossa indignação e repugnância ao testemunhar que representantes de Conselhos médicos agem em favor da morte. Nós MÉDICOS abaixo assinados não podemos assistir omissos manifestações dessa ordem e afirmamos que não reconhecemos no CRMDF autoridade científica, política ou jurídica para representar a medicina do DF. Não nos aliamos àqueles que escolheram ser a vergonha no planeta inteiro diante de seus pares em outros países onde os médicos jamais cometeriam essa defesa da morte com danos irreparáveis à economia.>>
Assinamos Inicialmente com nome e CRM esperando mais assinaturas pela Internet:
Ana Maria Costa CRMDF 4470
Ana Maria Segall Corrêa CRMDF 1913
Antonio Luiz Ramalho Campos CRMDF 1631
Beatriz Mac Dowel Soares CRMDF 3993
Danilo Aquino Amorim CRMDF 24554
Heleno Rodrigues Corrêa Filho CRMDF 1979
Ivonette Santiago de Almeida CRMDF 2018
João Bosco Soares Junior CRMDF 11542
Maria José Maninha CRM DF 2015
Patrícia dos Santos Massanaro CRMDF 24466
Rosali Rulli Costa CRMDF 2588
Para assinar também acesse: https://secure.avaaz.org/community_petitions/po/medicos_podem_se_manifestar_contrarios_a_nota_do_c_manifesto_contra_a_propaganda_anticientifica_do_crmdf_pela_ciencia_pela_vida/?zIQKWdb
***
***
Veja também a espantosa e malfadada nota do CRM DF : http://www.crmdf.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22022:2021-03-01-17-51-55&catid=3


Flávio, obrigado por divulgar a minha manifestação. O CRM-DF perdeu uma imensa oportunidade de continuar mudo! Grande abraço.
CurtirCurtir