Violência em Brasília: no Trânsito, como estamos?

Brasília, com suas vias largas, que convidam à velocidade, seu número abundante de veículos circulando, é vista pelo senso comum como uma cidade na qual os acidentes de trânsito não seriam apenas muito frequentes como revestidos de maior fatalidade. Alguns acham que nossos motoristas seriam mais imprudentes do que os demais no país. Seria isso verdade? É bom lembrar que, ao mesmo tempo, Brasília foi a cidade pioneira no Brasil no estabelecimento do respeito às faixas de pedestres, fato que ainda hoje nos traz bastante orgulho. Vejamos o que dizem as estatísticas, dentro de uma comparação com as demais capitais do Brasil. Os dados mostram que ainda precisamos melhorar – e muito – a política de trânsito em nossa cidade. Como se sabe, os acidentes de trânsito, particularmente em termos de sua mortalidade, constituem problema de enorme gravidade no Brasil, além de grande complexidade também, para o qual soluções simplistas não bastam, sendo preciso a convergência de esforços de toda a sociedade, dentro de uma abordagem em três vertentes: evolução tecnológica dos veículos, melhoria do ‘ecossistema’ do trânsito (legislação, fiscalização e infraestrutura), além do item mais importante: educação dos usuários das vias públicas.

Em um panorama geral a mortalidade por acidentes de trânsito tem diminuindo no Brasil. Você pode ver estes dados nas tabelas em anexo (ver ao final). Assim, no país como um todo, nos últimos 10 anos, ocorreu queda de 25% em números absolutos neste período. Entre as capitais, Palmas foi a única que apresentou incremento, embora da ordem de 5% apenas. Entre as que apresentaram redução, destacam-se, em primeiro lugar Vitória, com 66%, seguida de Fortaleza, Recife, Aracaju, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba, todas com reduções acima de 50%. Brasília não fica bem em tal fotografia, com redução da ordem de 40% apenas.

Analisando os estados como um todo, não apena suas capitais, podemos ver que os índices são bastante inferiores aos das capitais, com a maioria deles se mantendo entre 10 e 30% de redução apenas, sem grandes destaques positivos. O Espírito Santo, por exemplo, cuja capital, Vitória, brilhou na meta de redução de mortes, obteve pífios 30%. Veja também estes dados na tabela em anexo.

Mas a questão muda de figura quando se analisa as taxas de mortalidade no trânsito por 100 mil habitantes, conforme mostrado em quadro abaixo. Neste aspecto, a posição do DF é muito ruim, ou seja, de que estamos entre as 12 capitais que ainda mostram tal taxa com dois dígitos. É claro que os nossos 10,3 (óbitos/100 mil) ainda são “poucos”, perto dos 24,8 de Palmas; 19,9 de Teresina e 16,9 de Boa Vista. Mas é bom lembrar que a maioria das capitais, ou seja, 16, já estão com um dígito de mortalidade, cabendo citá-las aqui por questão de justiça. Nos primeiros lugares, com toda honra, Rio e Vitória com 6,6 e 5,7, respectivamente. Depois delas cidades tão variadas em termos populacionais e geográficos, como Belém, Manaus, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.

Sem desmerecer nenhuma capital, convenhamos: o DF tinha obrigação de posar em melhores companhias…      

Outro estudo demonstrou que este grupo de cidades brasileiras de maior porte revela, em termos de mortalidade no trânsito: (1)  predomínio entre adultos jovens (16-30 anos), do sexo masculino, pardos, com ensino fundamental  ou médio incompleto; (2) número de mortes se concentra em motociclistas, seguido por condutores de veículos leves e pedestres (a este respeito ver quadro em anexo); (3) ciclistas, passageiros de ônibus, condutores de caminhões, caminhonetes e de triciclos motorizados respondem por uma minoria de 10%; (4) vem sendo observadas quedas expressivas nos óbitos de pedestres ao longo dos anos, ao contrário do ocorrido com passageiros e condutores de motocicletas e automóveis.

Aparentemente, cidades com maiores PIB per capita apresentam melhores resultados, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Belo Horizonte. Brasília certamente estaria incluída ai, mas as taxas que apresenta não se coadunam com tal afirmativa. Cálculos econométricos sugerem, ainda. que o fator ensino, principalmente com qualidade, contribui diretamente para redução nas mortes do trânsito, embora isso para motociclistas não tenha sido significativo. Na mesma linha, a maioria das vítimas fatais não tinha sequer ensino médio completo (93,86% para o Brasil e 89,98% para as capitais. Em termos de renda, a variável PIB real per capita não demonstra significância para pedestres e condutores de automóveis, sendo, contudo, impactante para os motociclistas. Mais uma vez o DF parece fora da curva.

O grau de motorização é outro aspecto importante e será tratado com maior detalhe em um próximo post aqui neste blog. Quanto a isso cabe notar preliminarmente que se observa uma relação negativa entre os número de óbitos por 10 mil veículos e o de veículos por 10 habitantes, pois se em 2005 ocorriam pouco mais de 6 óbitos por 10 mil veículos, isso se viu reduzido à metade  em 2016,enquanto o indicador veículo/10 hab duplicou neste mesmo período, com a relação entre vítimas fatais por 10 mil veículos reduzindo-se à metade. Tais fatos são confirmados apenas para pedestres e condutores de automóveis, porém não para motociclistas

O quadro abaixo mostra a relação entre óbitos no trânsito em capitais brasileiras entre 2010 e 2019, com cifras representando aumento (acima de 100) ou diminuição (abaixo de 100) em relação a estes dois momentos.

CAPITAL  2010/2019       
150140 Belém  77,5       
160030 Macapá  55,4       
172100 Palmas  105,6       
211130 São Luís  74,7       
221100 Teresina  66,8       
230440 Fortaleza  46,1       
240810 Natal  76       
250750 João Pessoa  55,9       
261160 Recife  44,9       
270430 Maceió  58,1       
280030 Aracaju  42,6       
292740 Salvador  50       
310620 Belo Horizonte  45,7       
320530 Vitória  36,8       
330455 Rio de Janeiro  41,9       
355030 São Paulo  57,7       
410690 Curitiba  61,4       
420540 Florianópolis  50,6       
431490 Porto Alegre  49,7       
500270 Campo Grande  66,1       
510340 Cuiabá  49,2       
520870 Goiânia  56,3       
530010 Brasília  60,1       
Total  55,8       

Este outro quadro mostra as taxas de mortalidade por 100 mil habitantes nas capitais, bem como o número acumulado de óbitos ao longo da década.

Capital2019TotalPop 2020Tx/100 mil
110020 Porto Velho851316539.35415,75
120040 Rio Branco50651413.41812,09
130260 Manaus25629522.219.58011,53
140010 Boa Vista71886419.65216,92
150140 Belém14816831.499.6419,86
160030 Macapá51738512.9029,94
172100 Palmas76744306.29624,81
211130 São Luís12114371.108.97510,91
221100 Teresina1732162868.07519,93
230440 Fortaleza18937362.686.6127,03
240810 Natal76787890.4808,53
250750 João Pessoa801166817.5119,78
261160 Recife11417821.653.4616,89
270430 Maceió10414851.025.36010,14
280030 Aracaju66999664.9089,93
292740 Salvador15523982.886.6985,37
310620 B. Horizonte21233672.521.5648,41
320530 Vitória21427365.8555,73
330455 Rio38073986.747.8155,63
355030 São Paulo9021172412.325.2327,31
410690 Curitiba19125751.948.6269,80
420540 Florianópolis45708508.8268,84
431490 Porto Alegre9415291.488.2526,42
500270 C. Grande1481853906.09216,33
510340 Cuiabá941492618.12415,21
520870 Goiânia22931161.536.09714,91
530010 Brasília33446383.055.14910,93

 ***

Para finalizar, não custa lembrar que o fator humano é predominante nos acidentes e que, portanto, a educação de motoristas e pedestres ainda é a melhor solução, ainda que com o apoio de medias restritivas. A questão dos motociclistas é uma verdadeira calamidade nacional, estando ligada diretamente à precarização das condições de trabalho no Brasil, agravada em anos recentes, com as várias “reformas” que prejudicaram ainda mais as condições de trabalho de milhões de pessoas. ainda mais. É preciso difundir para os cidadãos a cultura de respeito mútuo e da consciência que o espaço das ruas não deve ser disputado e sim compartilhado. Tais aspectos estão longe de serem acatados pela cultura brasileira, em particular diante do comportamento marginal do Presidente da República, que frequentemente se mete em diatribes contra multas de trânsito, cadeirinhas para crianças, validade de carteiras de motorista etc, sendo apoiado entusiasticamente por sua horda de seguidores. Em outras palavras, no front do trânsito ainda haverá muito suor, sangue e lágrimas a nos espreitar.

 ***

Agradeço especialmente a gentileza no fornecimento e na análise de dados que me foram proporcionados pelo meu amigo David Duarte Lima, estatístico dos mais competentes e professor de Epidemiologia no curso de Medicina da Universidade de Brasília.

***

Para saber mais:

ANEXOS

3 respostas para “Violência em Brasília: no Trânsito, como estamos?”

  1. Excelente, como sempre, essa sua análise Flávio. A violência no trânsito Brasileiro continua ceifando vidas. Eu fiquei curioso por saber como estão, nestes mesmos parâmetros ao menos as capitais dos nossos países vizinhos como a Argentina e o Uruguai. Seria uma interessante comparação sobre a violência no trânsito. De qualquer forma parabéns! Um grande abraço!

    Curtir

  2. Excelente artigo, mas acrescento. A justiça para crimes de trânsito no Brasil também deve evoluir muitoooo, quem mata ou deixa cidadãos com sequelas gravíssimas, mesmo tendo cometendo infrações gravíssimas como causadoras do sinistro/crime, são “suavemente” punidos com sentenças pífias, absolvições indevidas e acordos para não persecução penal… deseduca e despreza a vida. O Dolo Eventual passa longe da cabeça de delegados, promotores e juízes, mesmo para os criminosos que matara dirigindo de forma assassina, são raríssimos os casos que vão a júri popular.

    Curtir

Deixar mensagem para André Vianna Cancelar resposta