Um conjunto de entidades brasileiras ligadas à saúde pública, reunidas na chamada Frente Pela Vida, organiza uma assim denominada Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, a ser realizada em agosto próximo, em um processo que já foi iniciado através de conferências preparatórias, que já estão sendo realizadas livremente por todo o país. Pensar e produzir saúde a partir dos mais variados enfoques e olhares, com ativismo em toda sua potência para afirmar os princípios do SUS, debater as limitações e produzir alternativas e superações, eis o slogan adotado. Tal iniciativa faz parte dos mecanismos de participação social em saúde, conforme previsto nas leis do SUS, mas ao contrário dos processos oficiais, não seguirá formalidades como quórum mínimo, paridade, representatividade por segmentos ou eleição de delegados. As conferências livres poderão ser organizadas a partir das unidades do SUS, universidades, sindicatos, associações, além das próprias comunidades, diretamente. Eu que venho, há tempos, propondo mudanças no atual modelo de participação social em saúde adotado no Brasil, equivocadamente denominado de “controle social”, além de muito burocrático, só posso me regozijar com a proposição de tal evento e assim aproveito para dar acesso aos leitores e algumas considerações minhas, em parceria com Henriqueta Camarotti, numa crítica ao processo formal até agora vigente e sugestões para aprimorá-lo. Assim, espero realmente que uma Conferência realmente livre, direta e popular, como a que está sendo anunciada, venha abrir novos rumos para a participação em saúde, longe das amarras burocráticas impostas pela Lei 8142. Sobre esta conferência, saiba mais em: https://frentepelavida.org.br/
A crítica que fazemos é a seguinte: o processo de participação social em saúde no Brasil é uma construção inacabada e ainda um tanto frágil, particularmente em relação à sua aplicação no nível local dos serviços, no que o arejamento e a ampliação das discussões sobre tal assunto é tarefa essencial de quem se dedica a buscar soluções para a construção e o aperfeiçoamento de nosso sistema saúde, sem deixar de reconhecer que o país tem história acumulada nesta área. Isso é mais marcante diante do momento atual do SUS, que traz grandes preocupações quanto a seu futuro, diante das posturas de um governo avesso ao bem-estar social e à democratização.
Além disso, a estrutura de tal sistema de participação foi concebida décadas atrás, tempo em que existiam marcantes diferenças não só epidemiológicas e demográficas, mas também culturais, tecnológicas e políticas em relação aos tempos atuais. Assim, se há avanços, há também dilemas não resolvidos, que redundam, por exemplo, na promoção de falsas expectativas nos participantes, relativas a um suposto poder efetivo e autônomo de decidir sobre a política de saúde, que não pertence só a eles, mas a uma cadeia mais ampla que associa órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, sendo, portanto, um processo multidimensional tanto na sua essência como na sua prática.
São notórias algumas tendências percebidas e questionadas por nós no cenário atual da participação social, no Brasil, assim resumidas: (a) a autonomização, levantando a expectativa social de que nos conselhos de saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) a plenarização, mediante a transformação de tais instâncias em meros fóruns de debates entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação do Estado, o qual, aliás, seja por definição legal ou afastamento voluntário, restou minoritário ou ausente no processo participativo real; (c) a parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários dentro dos conselhos e conferências, com as consequentes tomadas de decisão por votação, não por consenso. (d) a profissionalização e a institucionalização da função de participante, dadas as fortes exigências inerentes a tal processo, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação, afastando outros interessados portadores de demandas, mas não de representação institucional; (e) a auto-regulação, que representa uma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde, despertando algumas vezes questionamentos jurídicos reiterados.
Em suma, quando se fala em autonomia, paridade e poder deliberativo, dispositivos compulsórios nos regramentos legais ou burocráticos dos conselhos, percebe-se uma marcante distância entre intenções (desejantes) e práticas (concretas) dos instrumentos vigentes, o que sem dúvida prejudica a efetiva participação. Sem falar de sua real aplicabilidade ao nível local dos serviços.
Esta conferência livre faz parte, sem dúvida, dos mecanismos de participação social em saúde, não exatamente dentro dos moldes rígidos da lei 8142. Ela não seguirá muitas formalidades e será aberta a uma figura essencial: o cidadão interessado, podendo organizada a partir instâncias diversificadas. Vejo isso como mudanças essenciais no atual modelo de participação social em saúde adotado no Brasil, no meu entendimento denominado equivocadamente de “controle social” e na verdade burocrático e excludente.
E vamos combinar: participação social não é uma panaceia – esta é uma lição a ser sempre lembrada. Ao contrário, representa um processo oneroso para o cidadão comum, que costuma ser apropriada e mantida por determinados grupos sociais, como funcionários públicos, letrados, pessoas mais velhas, homens, sindicalistas e militantes políticos. É preciso sempre cuidar de aperfeiçoá-la e ampliar seus mecanismos.
Acesse no link abaixo o trabalho completo meu e de Henriqueta Camarotti
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Que bom que há uma sincronicidade no ar: participação livre, compromissos compartilhados, ampliação de possibilidades para assistência à saúde e melhora da qualidade de vida !
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