Da segurança pública em Brasília e no Brasil (Parte II)

Na última semana trouxe aqui uma análise sobre os dados do Anuário da Segurança Pública no Brasil, relativos a esta política pública (ou ao fracasso da mesma…) no país. Foram destacados os dados do Distrito Federal, em termos comparativos com outras unidades federativas, com a ressalva de que o ideal seria comparar nossa cidade apenas com as capitais. Hoje vamos prosseguir, com informações sobre crimes patrimoniais e ataque a vulneráveis, tendo como base o ano de 2022 e a taxa calculada para 100 mil habitantes. Assim, por exemplo, no quesito do roubo ou furto de telefones celulares, o DF conta com um dos indicadores mais elevados do país, acima de 1000 por 100 mil habitantes, junto com o estado do AM, por exemplo, e bem acima do menor valor, que é o do RS, onde não passa de 160. A média nacional não chega à metade de tal cifra. No estelionato por meio eletrônico também nos perfilamos no topo do ranking, acima de 300 por 100 mil habitantes, tendo como companhias SC e ES, versus 189 como média do país. No roubo a residências: 9,7 no DF versus 14,7 no Brasil. A taxa daqui está entre as menores do país. As mais elevadas (acima de 100) estão em AP e RO. Em relação ao roubo a transeuntes, no DF 590,5 x Brasil 247. Roubo (total) 821,5 (DF) x 456,2 (Brasil).

Sobre tais crimes patrimoniais, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta aspectos até certo ponto positivos. Para a violência letal, por exemplo, a tendência é de queda, embora os números do ano passado indiquem uma curva de desaceleração. Já o cenário dos chamados crimes patrimoniais demonstra movimentos de reconfiguração de como são cometidos, sobretudo a partir da pandemia de Covid-19, incluindo a migração dos roubos para modalidades como furtos, estelionatos e golpes virtuais. Vale ressaltar, no entanto, que esta não é uma tendência exclusivamente brasileira, dependendo, em grande medida, do fluxo de pessoas circulando pelas cidades, o que foi severamente restringido pelas medidas de isolamento social. Já os crimes que envolvem roubo e invasão de residências tornaram-se mais complexos para os criminosos, já que as famílias passaram mais tempo dentro de suas casas.

Um estudo de 2021 analisou tais dados em cidades de 23 países, esclarecendo detalhes sobre o impacto da pandemia e das medidas de isolamento social, constatando, globalmente, redução de 37% em tais situações. Ao mesmo tempo, as agressões tiveram queda de 35% em decorrência das restrições de circulação e os homicídios tiveram, em média, queda de 14%. As violações de domicílio caíram cerca de 28% e os roubos de veículos apresentaram redução de 39%. No Brasil o mesmo contexto foi observado, com queda generalizada dos indicadores de crimes patrimoniais nos anos de 2020 e 2021, enquanto a partir de 2022 algumas modalidades criminais retomam tendências pré-pandemia, com crescimento dos roubos e furtos. No entanto, seguem em queda, os roubos a instituições financeiras (-21,9%), de carga (-4,4%), a estabelecimentos comerciais (-15,6%) e a residências (-13,3%).

Prosseguindo, o tráfico de entorpecentes (um ponto polêmico e questionável a respeito da atuação das polícias, particularmente no Brasil): DF com taxa aproximadamente semelhante à do país (76,9 x 78,2 por 100 mil habitantes). Os extremos são MA (21,1) e RS (148,0).

Na violência doméstica dolosa: DF 227,2 X Brasil 236,7. Extremos: SE 104,9 X RO 499,4. Em relação ao estupro: DF 9,6 X Brasil 8,9. Extremos: PB 4,2 X RR 27,0. Para assédio e importunação sexual: DF 3,2 x Brasil 3,9. Extremos: AL 2,1 X AP 13,4.

Sobre as três questões acima, o Anuário esclarece que o crescimento da violência sexual no Brasil é real, e requer explicações detalhadas, em primeiro lugar, porque a subnotificação é regra nestes casos, estando presente em levantamentos em todo o mundo. Estudo recente do IPEA indicou que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde, o que faz com que o patamar de casos de estupro no Brasil é da ordem de 822 mil casos anuais. A hipótese é de que há um real um aumento das notificações, por estarem as vítimas mais informadas e empoderadas, com inegável efeito de campanhas públicas sobre o tema. No entanto, tal argumento deveria ser relativizado, em função do perfil das vítimas, pois no Brasil, 6 em cada 10 vítimas são vulneráveis com idades entre 0 e 13 anos, vítimas de familiares e outros conhecidos. Ou seja, ainda que estas crianças e adolescentes estejam mais informadas sobre o que é o abuso, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o fenômeno.

Dado adicional sobre suicídios: DF 8,6 x Brasil 8,0. Extremos: RO 20,7 x MA 4,4.

Uma última informação, relativa aos gastos com segurança pública. A situação do DF, em termos de gasto per capita, é comparativamente pequena entre os estados do Brasil (407,14) colocando nossa cidade em condições de igualdade com estados mais pobres, como BA e RN, mas também SC. Neste caso, os extremos são MA e PI, com gasto em torno de 300 reais per capita e do outro lado, AP, AC e RO, com mais de 1.000 reais per capita.

Como se vê, a nossa cidade até que “não está mal na fita”, quando comparada a outros lugares do Brasil (ressalvando-se que comparações mais apuradas deveriam ser feitas com outras cidades, principalmente capitais, não com estados inteiros, como já foi esclarecido). De toda forma, se temos indicadores em melhora em relação às violências em geral, inclusive no trânsito), nos crimes patrimoniais nossa posição se inverte. Entretanto, deve-se sempre prestar atenção nos “extremos”, não para nos confortarmos face aos casos piores, mas para perceber que é possível ter indicadores melhores, mesmo em situações sociais e econômicas mais precárias do que aqui. Tudo isso sem esquecer que muitas vezes tais situações, justamente devido à sua precariedade, podem corresponder a problemas maiores de qualidade das correspondentes estruturas de informação.   

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Acesse aqui o anuário completo.

Se quiser reler textos anteriores deste blog sobre tal assunto, acesse:

https://saudenodf.com.br/2022/03/21/brasilia-cidade-violenta/

2 respostas para “Da segurança pública em Brasília e no Brasil (Parte II)”

  1. Realmente me causa espécie o DF ser tão violento, mesmo pela característica de ser uma cidade/ estado planejada, por ter uma política pública relativamente melhor do que muitos estados e por está tão cercano da administração federal. São contradições que talvez até mostrem explicitamente as contradições do próprio Brasil

    Aqui existe o fenômeno do esgarçamento familiar e social mais aprofundado. Milhões de pessoas imigraram para este estado perdendo seus vínculos que de certa forma continham mais a prática da violência. Como “terra de ninguém” a princípio até mais acentuada, Brasília pode demonstrar sociologicamente o que significa de perder os vínculos, a migração aos milhares, a falta dos referências de cidadania estruturante.
    O contrário disso, no interior do país, ainda se tem uma identidade “ fulano filho do Sr Zé da farmácia” , cicrana neta da Dorinha doceira”. Essa relações construídas na vida social criam um cinturão de proteção para que as pessoas tenham uma identidade e não se arvorem facilmente na vida do crime.

    Mas, mesmo tendo explicações lógicas, ainda é difícil entender um país com tal desigualdade social e falta de uma política educacional que minimamente ofereça aos seus cidadãos a chance de sentir uma outra possibilidade na tenra idade.

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