A (de)formação médica no Brasil cobra seu preço

Leio no site da UOL matéria que trata de tema ao qual é dado, penso eu, pouca importância atualmente na mídia: a formação médica. Intitula-se A formação médica vira entrave ao cuidado mais próximo da população e é de autoria da jornalista Bárbara Paludeti, da UOL em Brasília (ver link abaixo). Entre outras constatações, aponta que a proverbial má qualidade da formação médica no Brasil tem servido de obstáculo não só à oferta adequada de serviços como à própria gestão do cuidado no SUS. Um dos problemas apontados pelos entrevistados na reportagem é o de que em vez de médicos preparados para resolver os problemas da população nas portas de entrada do sistema nos postos de saúde estão profissionais mal formados, que muitas vezes apenas repassam açodadamente a demanda para especialistas, com prejuízo geral. Diz um deles, Mauro Guimarães Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde): “o que estamos recebendo são despachantes, não médicos […] tem médico que encaminha um paciente para o endocrinologista só para prescrever insulina”. Coisas assim significam mais custos para o SUS, além de mais desgaste para os pacientes, sendo problemas estruturais que se agravam com a falta de vagas em programas de residência e a baixa atratividade financeira das bolsas. Bem lembra o meu amigo José Gomes Temporão, ex-Ministro da Saúde: “sem gente preparada para cuidar, não adianta reorganizar a rede. A descentralização precisa andar de mãos dadas com a formação e a valorização do trabalho em equipe”, para assim oferecer resposta adequada e inadiável às mudanças contemporâneas na saúde da população, como o envelhecimento e o aumento das doenças crônicas. Uma coisa é certa: o Brasil dispõe de tecnologia, conhecimento acumulado e experiências locais avançadas em tal campo. Entretanto, se a questão é avançar qualitativamente, é preciso começar encarar o problema pela base, ou seja, com uma formação médica que valorize a saúde coletiva, o cuidado próximo as pessoas e suas famílias, a base no território.

O problema, ameu ver, tem solução, embora careça de vontade política e coragem de reverter os erros da área da formação médica, que não são poucos, aliás. Neste sentido, o artigo em foco apresenta experiências do Brasil e de outros países em tal campo, nas quais se destacam: o trabalho com indicadores de desempenho; a noção de valor na prestação de cuidados; o uso de telemedicina e de teleconsultorias (entre médicos, particularmente entre generalistas e especialistas); a ampliação da utilização de tecnologias de informação; o desenvolvimento de projetos-piloto que deem suporte de evidências às práticas clínicas, de gestão e de ensino; a descentralização cada vez mais ampliada.

Neste último quesito, todavia, não custa lembrar que no Brasil o foco extremado na municipalização da saúde tem deixado a desejar, pois muitas vezes não é propriamente no município que tal processo deve chegar, mas sim em instância acima dele, ou seja, a Região de Saúde, que entretanto ainda carece de melhor definição e estruturação no país.

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Que tal um giro por tal campo, sem esquecer, também, que ele é muito vasto em especulações, sem que deixem de ocorrer concordâncias entre os especialistas. No quadro seguinte, minha parceira Henriqueta Camarotti e eu, tentamos sistematizar alguns de tais consensos, com ênfase nos princípios filosóficos, meios pedagógicos e implicações políticas, sociais e teleológicas, sem entrar no mérito de questões ligadas ao conteúdo biológico ou clínico de tal formação. 

<<UM DECÁLOGO PARA A BOA FORMAÇÃO MÉDICA>>

ANTECIPAÇÃO DO CONTATO Contato com pacientes e com a própria realidade sanitária e social local: quanto mais cedo melhor. Não importa que os alunos ainda não tenham noção da fisiopatologia das doenças ou dos elementos para seu diagnóstico. O fato de poderem acompanhar atendimentos, de preferência na atenção básica de saúde, feitos por estudantes mais maduros, residentes ou professores, por si só, lhes trará subsídios importantes. Isso deve ser feito de forma curricular, não voluntária (sem desprezar que também o voluntariado possa ser incentivado) e há inúmeras atividades que os estudantes poderão cumprir, além de acompanhar de forma passiva o atendimento, como por exemplo: participar do acolhimento, inclusive quando realizado em grupos e em cenários diversos, comunitários por exemplo; organizar, consultar e pesquisar prontuários; realizar visitas domiciliares; acompanhar pacientes; aferir os sinais vitais etc. Tudo isso em interação com os diversos membros da equipe de saúde, em qualquer nível de complexidade, com ênfase em saúde preventiva e promoção à saúde. Isso pode acontecer já desde os primeiros meses da entrada dos estudantes nas faculdades de medicina.
UMA NOVA PEDAGOGIA Aulas expositivas em grandes anfiteatros, dissecções furiosas de cadáveres, bancadas de laboratório cheirando a fezes, sangue e urina, estudantes ávidos e afoitos apalpando pacientes humilhados, são coisas do século passado. Estudantes entram na faculdade querendo GENTE e lhes oferecem cadáveres, lâminas, microscópios, líquidos e secreções corporais, chapas de RX, além de professores intermediando o contato com os pacientes.  Existem muitas técnicas de ensino novas no pedaço, como por exemplo: a antecipação de contato com pacientes citada acima; a não separação entre ciclo básico e profissional; o ensino integrado em blocos e não em tecidos e segmentos corporais; o foco em solução de problemas e não em patologias; as práticas inter e transdisciplinares, além de interprofissionais; a inclusão de diferentes profissionais n ensino; o uso de atores em simulações, são algumas das inovações que estão no cenário. Às vezes, nem tão novas assim, pois algumas já vêm sendo desenvolvidas em algumas partes do mundo civilizado há mais de 40 anos. A roda já não precisa ser inventada, portanto. Há exemplos de uma nova pedagogia abundando pelos quatro cantos do mundo e mesmo no Brasil.
INCLUSÃO DE DETERMINANTES SOCIAIS NA FILOSOFIA DE ENSINO O modo tradicional de ensinar medicina, fixado desde a antiguidade e reforçado pela revolução dita “científica” do século 19 considera a origem das doenças simplesmente como resultado de um embate entre agentes patológicos diversos, sejam bactérias, vírus, parasitas ou mesmo genes alterados ou traumatismos e o corpo humano, até então sadio. Além disso, uma concepção reducionista e mecanicista que tenta comparar o corpo humano a uma máquina. Mas tal correlação é simplista demais. Os seres humanos sofrem, de fato, todas essas interações, mas fatores consideráveis do mundo que os rodeia podem ter papel mais importante ainda, como as relações sociais, os hábitos, os modos de vida, o próprio acesso, maior ou menor, aos serviços de saúde e sua eficácia. A essência da dualidade entre corpo e mente começo a ser explorada e expandida há mais de um século, com as ideias sobre o comportamento humano desenvolvidas por Jung, Freud e tantos outros estudiosos, que todavia ainda não estão de todo incorporadas ao conhecimento médico corrente. De acordo com a OMS, os determinantes sociais da saúde correspondem às condições em que uma pessoa vive e trabalha, ou seja, os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco, entre os quais moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego. Sobre isso há diferentes abordagens possíveis, com variações na compreensão dos mecanismos que acarretam em iniquidades de saúde, o que faz com que tais determinantes não podem ser avaliados somente pelas doenças geradas, ao influenciar também as variadas dimensões do processo de saúde das populações, seja do ponto de vista do indivíduo como da coletividade. Isso faz com que o ensino médico deva ter seu escopo ampliado a outras profissões e saberes, com abordagens adequadas, em tudo diferentes do limitado e limitante raciocínio biológico e clínico habitual.
AMPLIAÇÃO DE CENÁRIOS DE ENSINO E PRÁTICAS O ensino da medicina se dá tradicionalmente em três tipos de ambiente: laboratórios, ambulatórios e hospitais. Na fase clínica o ambiente hospitalar geralmente é o que domina o cenário. Na atual expansão que se verifica no Brasil, embora as três modalidades ainda prevaleçam, é questionável que elas sejam oferecidas em proporções e qualidade adequadas. Há inovações pedagógicas com relação a isso, já testadas em várias partes do mundo. Primeiro, a laboratório e a clínica não precisam estar dissociados: as propostas de ensino mediante blocos ou com base em problemas (PBL) podem fazer coalescer estes territórios, superando a tradição de separação temporal e instrumental que acabou sendo consagrada na formação medica, mesmo depois das reformas conduzidas nos EUA por Flexner e a Fundação Carnegie. A concentração hospitalar também precisa ser revista, já que o cotidiano da profissão, ainda mais dentro de uma visão preferencialmente mais generalista, se vincula também a outros focos de assistência. Tornam-se fundamentais, assim, mudanças no sentido de que grande parte das atividades de ensino se concentrem nas práticas ambulatoriais, principalmente na atenção primária ou básica à saúde, o que também é um espaço ainda pouco valorizado na maioria dos cursos de medicina. Mas além dos ambulatórios clássicos, mesmo aqueles situados nas comunidades e não diretamente no terreno dos hospitais de clínicas (outro viés presente na formação médica habitual), é preciso atentar para outras possibilidades de cenários de práticas. Por exemplo, os domicílios, as creches, as escolas, as instituições de proteção social, os consultórios de rua, além de outros. Mas isso não deveria ter um caráter de visita apenas esporádica de estudantes, sem compromisso maior ou em modo passivo de interação. Ao contrário, deve fazer parte de programas bem estruturados, com assistência docente (não apenas de docentes médicos, diga-se de passagem), além de compulsoriedade e responsabilidades definidas, para docentes, discentes e membros do serviço.  
INTERPROFISSIONALIDADE As dificuldades de interação entre os diversos profissionais da área da saúde são notórias, aí entrando questões de poder, de linguagem, de domínio técnico. Quando eu (Flavio) era docente da UnB muitas vezes pedia aos alunos das várias profissões de saúde que tinham aula comigo para se apresentarem. Aí era possível observar que formavam porções imiscíveis de (futuro(a)s) médico(a)s, enfermeiro(a)s, dentistas, farmacêutico(a)s, etc. E era assim fora da sala de aula também: cada grupo em canto, corredor, enfermaria, professor(a) totalmente separados entre si (e do mundo). Moral da história: perde-se um tempo precioso na graduação sem de alguma forma tentar uma aproximação interativa que teria importância ao longo de toda vida profissional. Grande parte das disciplinas do ciclo básico e muitas também do ciclo profissional poderiam ser ministradas sob a forma de aulas conjuntas, tanto em grandes sessões para discussão de casos como em grupos de trabalho e mesmo seminários específicos. Não conheço nenhum lugar onde isso é feito. A noção de enfermeira(o)s como agentes “para” médicos, em uma acepção que vem de “paralelismo”, deveria ser substituída pela de trabalho complementar ou conjunto, e até mesmo liderança daqueles em determinadas situações.   Penso que é perfeitamente possível fazer isso acontecer, é claro que mediante planejamento pedagógico adequado, além de vontade em fazer e romper barreiras. Não seria o caso de se fazer mundo começar a girar de novo, ressuscitar Claude Bernard ou Florence Nightingale, por exemplo…
RACIOCÍNIO EPIDEMIOLÓGICO Epidemiologia significa ver e entender as doenças no conjunto na população, não apenas em termos individuais, que  é uma prerrogativa da Clínica. A Epidemiologia moderna de há muito transcendeu seus conceitos históricos, de prevalência e incidência, letalidade e mortalidade, por exemplo, para adentrar em novos campos como: fatores de risco, carga de doenças, anos perdidos por incapacidade, mortes evitáveis por fatores específicos, internações sensíveis a condições determinadas, ajustes estatísticos por sexo, idade, geografia – além de muitos outros. A formação médica não precisa formar epidemiologistas verdadeiros, mas deve se preocupar em fornecer aos futuros profissionais uma visão EPI, ou seja, de conjunto, ou de base populacional sobre os fatores que levam os indivíduos e as populações respectivas a adoecerem, longe, entretanto, de algum enfoque teorizante, mas acima de tudo vinculada aos aspectos clínicos. Exemplificando, de maneira singela: não bastaria ao Doutor “X” ter consciência que seus dez, vinte (ou quantos sejam) pacientes hipertensos estejam todos bem tratados. Ele precisa conhecer também a realidade mais abrangente de sua área de atuação, na qual, digamos, existiria um número bem maior de pacientes, de acordo com a estimativa epidemiológica. Os médicos e as equipes de saúde devem estar preocupados, enfim, em não só tratar adequadamente, do ponto de vista técnico e humano aqueles “n” pacientes que lá estão por demanda espontânea, mas também desenvolver esforços para alcançar números cada vez maiores em relação à incidência estimada. Enfim, além dos termômetros, aparelhos de pressão e outros instrumentos, é preciso incorporar aos arsenais médicos os mapas físicos e on-line e os dados estatísticos da sua área de atuação, além das calculadoras e dos aplicativos de geoprocessamento. São os novos tempos, nos quais não há mais lugar apenas para “práticas atrás do balcão”.  
TECNOLOGIAS Quando se fala de tecnologia, isso implica não só os artefatos ou as drogas que a indústria lança a cada dia, seja para minorar o sofrimento das pessoas, ou para incrementar seus lucros. Neste aspecto, a formação médica deve se concentrar em apurar o senso crítico dos estudantes e também de ajudar os futuros doutores a não se converterem em uma espécie engravatada de balconistas de farmácia e peça importante dos departamentos marketing da big-farma. É preciso ir além. Questão adicional e muito atual, por exemplo, é a das tecnologias de comunicação e informação, que exercem também ações “de dois gumes” no cenário, seja para facilitar o acesso à informação aos pacientes e aos próprios médicos, seja para difundir mitos, falsidades e meias verdades. Aqui volta a questão de se trabalhar com um indispensável fomento ao senso crítico na formação. Aspecto que adquiriu especial relevância nessa discussão é a da telemedicina, sobre a qual não deve ser por acaso que os conselhos e outras entidades médicas, do alto de seu conservadorismo, tenham relutado e ainda relutam em aceitar. Mas já não é possível pensar no futuro sem elas. O colóquio singular da relação entre médico e paciente continua sendo fundamental, mas as ferramentas de interação remota hoje disponíveis, se contornam, por um lado, a existência de um contato próximo, por outro abrem novas possibilidades de ampliação do acesso, democratizando a relação dos serviços de saúde com seus usuários. É preciso lembrar, ainda, que os futuros médicos terão muitas novas oportunidades de se informarem, não mais apenas nos livros e revistas tradicionais. Mas aos pacientes também estará sendo dada tal oportunidade e os médicos deverão ser preparados para travar de diálogos produtivos e respeitosos com eles, ajudando-os a compreender e afastar os aspectos negativos da divulgação. Isso inclui também a necessidade de acolher as informações que os clientes certamente serão capazes de aportar ao cenário do tal colóquio singular. Em resumo, seria essencial que em diversas disciplinas do currículo médico houvesse maior ênfase, por exemplo, na avaliação da eficácia das tecnologias médicas, no fortalecimento da relação médico paciente, na promoção da informação aos pacientes para torná-los mais participativos, além da utilização mais eficaz e consciente de mecanismos de autonomia dos pacientes. Isso é o que o futuro próximo certamente imporá à profissão – se é que já não impõe – e tentar fugir disso significará marginalização, tanto do ponto de vista técnico como social.
CAPACITAÇÃO DOCENTE Interprofissionalidade, visão epidemiológica e sistêmica, pedagogias inovadoras, ampliação de cenários etc. Tudo isso é essencial na formação médica e aqueles que ainda não se deram conta disso deveriam se atualizar, com urgência. Aliás, o problema está exatamente aí: muitos docentes das escolas médicas atuais – se não a maioria – foram moldados no modo antigo de formação, que remonta a pelo menos um século e meio de história. Mas os tempos agora são outros e é preciso que essa gente seja atualizada (na melhor das hipóteses) ou, com toda certeza, moldada na compreensão do conjunto de inovações que o ensino médico qualificado atual carrega. A explosão das escolas médicas verificada no país nos últimos dez ou quinze anos com certeza não se ateve a tal preocupação. Até aí, seria normal, mas o que se vê é pouca ou nenhuma preocupação com tal questão. Quando se cria uma nova faculdade de medicina nos rincões do Brasil, a preocupação principal é a presença de médicos e de hospitais no cenário, além de clientes que passam pagar as mensalidades, é claro. Mas isso não é o bastante. A presença de médicos locais, mesmo que bem-sucedidos, além de alguma infraestrutura sanitária, por si só não constituem fatores que garantam qualidade ao ensino da medicina. Seria mais ou menos a mesma coisa que alguém adquirir um telefone móvel de última geração e instalá-lo em algum lugar onde não haja sinal. Todo o investimento estará perdido. Ou melhor, no caso da medicina, esses cursos improvisados estarão servindo tão somente para que seus egressos peguem logo o diploma que lhes é oferecido para finalmente irem aprender medicina verdadeira em outra parte, muitas vezes às custas de incautos pacientes. Capacitação docente já! E que ela leve em conta minimamente os diversos aspectos apontados nessas despretensiosas anotações.   
IMERSÃO NO SUS REAL O verdadeiro SUS não pode estar presente apenas de forma superficial e remota nas aulas em alguma disciplina ou estágio. Ele pulsa nas unidades básicas de atenção primaria, nos ambulatórios de especialidades, nos setores de medicina do trabalho, na vigilância sanitária, nas emergências, nas UPA e hospitais, além de outros locais, variados e inúmeros, por sinal. Como desdobramentos, isso atingiria também a necessária mudança da lógica dos binômios consagrados pelo pensamento tradicional em saúde, como aqueles que dicotomizam saúde e doença, corpo e mente, submissão versus pró-atividade individual e comunitária. A utilização de tais espaços por parte das escolas de medicina é de baixa intensidade e frequência, além de mal programada. É claro que ao lado da falta decisão, no caso das escolas, são escassos também os incentivos, em relação ao outro lado. Além disso, alunos de ciências da saúde muitas vezes são tratados como um estorvo dentro dos serviços de saúde e não há dúvida que sua presença mal planejada e mal supervisionada pode trazer reais transtornos ao funcionamento dos mesmos. Além disso, a delegação pura e simples de tarefas docentes ao pessoal dos serviços, já por natureza sobrecarregado, merece aprofundamento, tanto em termos éticos como trabalhistas. Cumpre ainda, dentro do espírito epidemiológico citado acima, incluir na formação médica algum tipo de contato com os espaços de gestão do SUS, por exemplo, nas instâncias de regulação, na vigilância em saúde, controle de agravos, zoonoses etc. Sem esquecer que os hospitais universitários costumam se colocar (ou serem tratados) como unidades em paralelo com o SUS real, em relação às quais a pergunta “se forem fechados provocarão algum impacto no sistema?” talvez seja respondida de forma negativa. Como diretriz fundamental de tal imersão deve ser lembrado que é fundamental fazer os alunos de medicina não só conhecerem o SUS de forma adequada, como respeitá-lo em sua dinâmica e importância social, como uma solução que ainda mostra problemas (a serem resolvidos) e não como um problema sem solução. Pressuposto a ser considerado é a imagem que os estudantes (e os próprios docentes, muitas vezes) trazem sobre o SUS, como um sistema de saúde pobre, de escassa tecnologia e precário, ao qual, por assim dizer, estão “condenados” os mais pobres. O contrário do SUS não é nenhuma terra da promissão financiada a pré-pagamentos, mas sim uma autêntica barbárie sanitária.
ENFRENTAMENTO DE UM PANORAMA MUTANTE Tudo passa, nada permanece, como já diziam os Gregos antigos. No campo da saúde, seja em relação às tecnologias clínicas ou de gestão, para não falar dos aspectos culturais, isso é regra geral e inescapável. Assim, não basta preparar profissionais apenas na base de acumulação de conhecimentos e saberes, como quem dá sucessivas demãos de pintura em uma parede. Ensinar medicina e ciências da saúde (e muitas outras) é muito mais do que isso, envolvendo o desenvolvimento de espírito crítico, a capacidade de perscrutar permanentemente a realidade e assim fazer escolhas. Mais importante do que colecionar livros e assinar periódicos técnicos, o que realmente importa no panorama atual é saber acompanhar e selecionar, de forma crítica e em tempo real, os fluxos acelerados de descobertas e conhecimentos que surgem a cada momento, muitos deles caducando em um tempo seguinte. Bons alunos e bons profissionais deixam de ser aqueles que apenas acumulam saber, mas sim aqueles capazes de transitar com agilidade e criticismo nos caminhos que se abrem a todo momento. Faz grande diferença, também, o exercício da criatividade; a observação criteriosa da realidade através de uma mente aberta e curiosa; a busca e o aproveitamento da intuição; a real e sincera sintonia com o sofrimento das pessoas; a compreensão filosófica da condição humana, além de uma certa inquietação intelectual, ou seja, uma mente que se revela insatisfeita com a realidade tal e qual ela se apresenta e insiste em despertar mudanças, fatores para os quais também é possível oferecer apoio e treinamento.

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De mal a pior:

Levantamento realizado por setor da Universidade de Brasília (https://observadf.unb.br/pesquisas/), datado de abril último mostra que a saúde é apontada como o principal problema para boa parte da população do DF e se mantém como a área mais mal avaliada do governo, situação aliás agravada em comparação com 2022. Profissionais, como enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS) são melhor avaliados do que as instituições em que prestam serviços (UBS, UPA e hospitais). Já para os médicos são altos os níveis de insatisfação. Entre a população de baixa renda, a principal usuária dos serviços públicos, é que predominam tais avaliações negativas, indicando marcante deterioração na qualidade do atendimento. As principais queixas espontâneas da população são: mau atendimento dos servidores (26%), filas nos prontos-socorros (14%) e falta de médicos (12,8%), além de demoras no atendimento, má gestão e falta de medicamentos.

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