Da violência nos serviços de saúde

[Texto em parceria Flavio Goulart e Henriqueta Camarotti]

Lê-se no Correio Braziliense (e não o é a primeira vez que se ver este tipo de notícia) que pacientes irritados com a demora no atendimento na UPA do Recanto das Emas depredaram a unidade, desencadeando também uma briga com vigilantes que tentavam conter o tumulto. O saldo foi de portas quebradas, equipamentos jogados no chão, gritaria e desespero, com um segurança agredindo um homem que supostamente segurava no colo uma criança autista. Um ou dois dias depois disso, ouço notícia na CBN sobre a agressão sofrida por uma professora, por parte da mãe e da avó de uma criança, dentro da sala de aula de uma escola pública aqui no DF. Diriam alguns que isso é o resultado do acúmulo de falhas que não só tais estabelecimentos, mas os serviços públicos como um todo apresentam, despertando a justa ira da população. Outros, entretanto, responsabilizariam os próprios usuários, que seriam incapazes de compreender as dificuldades dos serviços e mesmo a lógica de atendimento, partindo para a agressão física contra pessoas que estão ali para ajudar. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Acontecimentos assim exigem um mínimo de reflexão, principalmente por serem repetitivos, sem perder de vista a necessária isenção de ânimo. Vamos lá…

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Espiritualidade e saúde

[Vai aí mais um texto em parceria: Flavio Goulart & Henriqueta Camarotti]

O estudo da espiritualidade e suas fronteiras com as demais áreas do conhecimento é um terreno de limites imprecisos e o método científico para tanto pode ser utilizado, com a devida cautela, por se tratar de área em que aspectos simbólicos e abstratos são preponderantes. Entretanto nas últimas décadas tem havido um particular interesse dos pesquisadores nacionais e internacionais, buscando entender melhor as intersecções dos campos do conhecimento que possam, de alguma forma, estar relacionados. De toda forma, do ponto de vista acadêmico, embora haja interesse em entender o fenômeno da espiritualidade nos vários campos da vida humana, deve-se reconhecer que ainda há muito a se caminhar. Exploraremos aqui algumas pesquisas, dentro do tema das relações entre neurociência, saúde e espiritualidade, sem perder de vista a necessidade de ampliarmos o conhecimento e reflexão crítica. A busca do esclarecimento da relação entre as funções cerebrais e a espiritualidade depende tanto do empenho clínico e do estudo de novas pesquisas que possam servir como referências para a caminhada dos interessados no assunto. As correlações entre as funções das áreas cerebrais e a espiritualidade são alguns exemplos de uma nova fronteira multidisciplinar que se descortina, associando as áreas da neurociência, da biologia evolutiva e do estudo psicológico, sociológico e antropológico do homem. Complementam-se, assim, nesse âmbito, as potencialidades de autocura, promoção da saúde mental, regulação das emoções e impulsos e a evolução do ser. As pesquisas e propostas nas áreas das neurociências são numerosas, o que torna quaisquer reflexões, neste âmbito, incompletas. A grande diversidade de posicionamentos logicamente nos dá uma margem grande de reflexão e amplia a capacidade de cada estudioso assumir suas próprias posições. O caminho é longo, mas é importante começar a dar os primeiros passos.

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Uma Fábula atual

Conheci por esses dias uma criatura que me pareceu ser uma boa intérprete desta nossa cidade de Brasília. Tímida demais, entretanto, ela prefere não se identificar e ser chamada apenas de Esopa Lafontina, pedindo-me apenas para acrescentar que este é apenas um pseudônimo, o qual, embora com características femininas, pode não ser denominativo exatamente de uma mulher, deixando isso como mais uma incógnita a respeito de sua identidade. Apresento aqui um primeiro relato que Esopa me trouxe, no qual os leitores certamente encontrarão referências diversas e precisas ao que se passa por aqui, particularmente no mundo dos políticos e da saúde pública. Vejam o mesmo a seguir:

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Quanto mais Democracia, mais Saúde ?

O tema da democracia esteve em alta no início do mês de abril, por motivo do sexagésimo aniversário do golpe militar de 1964. Há controvérsias quanto à data exata do evento: 28 ou 31 de março. Mas, convenhamos, a data mais adequada seria o dia 1º de abril. A respeito de tal palavra – democracia – há uma reiterada afirmativa, por parte dos militantes do SUS, de que exista uma relação direta entre a qualidade e a efetividade da saúde do Brasil com o grau de democracia aqui praticado. Sinceramente, não sei se é bem assim, ou pelo menos não creio que haja uma correspondência direta entre uma coisa e outra. Senão, vejamos. Na verdade, a militância, principalmente a mais tradicional dá como existir relação totalmente biunívoca, ou seja: mais saúde é igual mais democracia e mais democracia corresponde a mais saúde, como se uma coisa dependesse e fosse capaz de gerar a outra. Entretanto, penso que são coisas distintas, as quais não adianta tentar ungi-las com alguma aproximação genérica, embora não tenha dúvidas de que continua valendo a pena lutar pelas duas. Uma coisa é certa: a palavra democracia se presta a variados usos e devemos cuidar de não a vulgarizar ou camuflar, tomando-a pelo que ela definitivamente não é. Podemos trazer a argumentação para realidades mais próximas a nós ou relativas à época em que vivemos.

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Proporção de médicos por habitantes no Brasil (e no DF) já quase equivale a de países desenvolvidos: isso é bom?

[O post de hoje tem a participação de nossa parceira Henriqueta Camarotti!]

Deu na imprensa que um estudo da USP projeta que, até 2025, o Brasil terá 3 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes, ultrapassando países como EUA, Japão e China. Tal estimativa já leva em conta a abertura novos cursos de medicina no país, além de ajustes populacionais do censo do IBGE. Atualmente, existem no país 2,91 médicos por 1.000 habitantes totalizando quase 600 mil profissionais. Mas isso é apenas uma informação numérica. Há diversas considerações a fazer para responder à pergunta acima. Quanto ao DF, o nosso quociente de médicos por habitante é simplesmente o maior do Brasil entre os estados, chegando a 5,5. Se a comparação for com as capitais há algumas com números maiores, como é o caso de Vitória com quase 15 médicos por mil habitantes, mas isso pode ser o resultado de parte desses profissionais morarem na capital, mas trabalharem em cidades vizinhas, o que parece ser comum. Seria este número é bom ou ruim, necessário ou desnecessário, adequado ou não à política de saúde definida nas Leis e normas relativas ao SUS? Para avançar há mais perguntas a serem respondidas: quantos e quais médicos estão disponíveis no Brasil para atuar no sistema de saúde? E quantos serão nos próximos anos? O que mudou na formação e no trabalho médico no país? A maior oferta de profissionais na última década responde às demandas do SUS? Idem para as regiões desassistidas e as necessidades de saúde da população? O modelo assistencial praticado tem a ver com a demanda por mais e mais médicos?

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