Saúde na China

É impossível não ter interesse sobre as coisas que acontecem na China. O foco de nossa curiosidade mais frequentemente se volta para aqueles trens-bala que atravessam o país de ponta a ponta, ligando cidades grandes, médias e pequenas; os prédios que fazem inveja até mesmo àqueles dos Emirados; as estradas abertas em pleno deserto; as enormes construções realizadas em pouco dias; os carros elétricos hoje onipresentes lá (e cá); as cidades enormes e totalmente informatizadas; as tecnologias digitais brotando e se impondo em toda parte etc. E bota etc nisso! Com efeito, pessoas da minha geração se acostumaram a ver este país através de antigas imagens, com as ruas vazias de automóveis e a multidão de pessoas vestidas de maneira uniformizada, para não falar dos tanques na Praça da Paz Celestial reprimindo as pessoas, mas ao mesmo tempo sendo detidos por um único cidadão valente. Mas pelo que vemos hoje, existe uma outra China, real e totalmente diferente. E é sobre esta aí que me pergunto: como são as coisas da saúde por lá? Tal indagação teria, a meu ver, especial cabimento aqui no Brasil, onde a militância triunfalista do SUS apregoa que temos “o maior sistema público de saúde do mundo” – e não deixa por menos! Mas será que isso seria verdade, principalmente se considerarmos o fato de que a nossa população é de apenas a sétima parte da deles, em um país onde a presença estatal é forte em tudo – e não seria também no campo da saúde? Assim, fiz algumas pesquisas para tentar responder a tal questão, que na verdade se desdobra em muitas outras. 

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A (de)formação médica no Brasil cobra seu preço

Leio no site da UOL matéria que trata de tema ao qual é dado, penso eu, pouca importância atualmente na mídia: a formação médica. Intitula-se A formação médica vira entrave ao cuidado mais próximo da população e é de autoria da jornalista Bárbara Paludeti, da UOL em Brasília (ver link abaixo). Entre outras constatações, aponta que a proverbial má qualidade da formação médica no Brasil tem servido de obstáculo não só à oferta adequada de serviços como à própria gestão do cuidado no SUS. Um dos problemas apontados pelos entrevistados na reportagem é o de que em vez de médicos preparados para resolver os problemas da população nas portas de entrada do sistema nos postos de saúde estão profissionais mal formados, que muitas vezes apenas repassam açodadamente a demanda para especialistas, com prejuízo geral. Diz um deles, Mauro Guimarães Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde): “o que estamos recebendo são despachantes, não médicos […] tem médico que encaminha um paciente para o endocrinologista só para prescrever insulina”. Coisas assim significam mais custos para o SUS, além de mais desgaste para os pacientes, sendo problemas estruturais que se agravam com a falta de vagas em programas de residência e a baixa atratividade financeira das bolsas. Bem lembra o meu amigo José Gomes Temporão, ex-Ministro da Saúde: “sem gente preparada para cuidar, não adianta reorganizar a rede. A descentralização precisa andar de mãos dadas com a formação e a valorização do trabalho em equipe”, para assim oferecer resposta adequada e inadiável às mudanças contemporâneas na saúde da população, como o envelhecimento e o aumento das doenças crônicas. Uma coisa é certa: o Brasil dispõe de tecnologia, conhecimento acumulado e experiências locais avançadas em tal campo. Entretanto, se a questão é avançar qualitativamente, é preciso começar encarar o problema pela base, ou seja, com uma formação médica que valorize a saúde coletiva, o cuidado próximo as pessoas e suas famílias, a base no território.

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SUS e NHS: quem influencia quem?

Dialética do exagero. É o nome apropriado para a situação em que alguém usa argumentos “fortes” (para não dizer exagerados ou mesmo inverossímeis) na tentativa de convencer seus interlocutores de alguma coisa. Acabo de ver algo assim em matéria da publicada pelo jornal londrino The Telegraph no dia sete de abril último (ver link ao final), que revela estar o governo britânico acompanhando de perto o modelo brasileiro do SUS, mais exatamente no que diz respeito aos agentes comunitários de saúde, para aplicar algo semelhante no NHS – National Health Services do Reino Unido. Ou seja, pelo visto, a criatura agora inspira o criador – mas será que é isso mesmo? As jornalistas autoras da matéria não deixam por menos, já indagando no título da matéria: O NHS está perto do colapso — um projeto das favelas (sic) brasileiras poderia salvá-lo? Informa-se que que um projeto-piloto está sendo desenvolvido em um setor de Londres, visando ser ampliado depois para outras regiões na Inglaterra. Não custa lembrar que o NHS foi uma das fontes de inspiração para o SUS, a partir de uma experiência que já é centenária naquele país, inclusive na instituição das visitas domiciliares, possível alvo da presente matéria. Algumas verdades não-dialéticas, contudo, precisam ser reveladas. A primeira delas é que tanto o NHS como o SUS passam hoje por questionamentos diversos, inclusive com algumas reformulações marcantes, nem todas para o bem, diga-se de passagem, embora certamente com algumas delas sendo necessárias e até mesmo imperiosas.

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Saúde e sustentabilidade

As grandes transformações demográficas, epidemiológicas, econômicas, ambientais, culturais e políticas têm implicado em mudanças significativas no mundo, em especial no setor saúde. Com tal foco foi realizado, em Brasília, entre os dias 29 e 30 de outubro de 2024, o seminário internacional O Desafio da Sustentabilidade dos Sistemas Universais de Saúde nas Américas, do qual tive a honra de ser relator, por convite da entidade organizadora, o CONASS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Com a participação de palestrantes nacionais e internacionais, o evento propôs o debate sobre como os sistemas de saúde precisam se organizar para vencer as realidades impostas, levando em consideração as experiências de outros países e do Brasil, acerca de questões relevantes que vão desde a capacidade de resposta às emergências sanitárias, à participação da sociedade, à força de trabalho e do financiamento, à governança, à regionalização e às redes de atenção à saúde. Os temas significantes deste evento (sustentabilidade, modelo assistencial, vulnerabilidade, governança, participação, entre outros) representam, sem dúvida, um território conceitual de alta complexidade e dinamismo. O sucesso das iniciativas correlatas a eles dentro das políticas de saúde requer não só regras de jogo bem colocadas, mas também apoiadas em evidências consagradas universalmente. Tal é o caso, por exemplo, da ênfase na atenção primária à saúde, na formação de redes, além de, particularmente, da necessidade de uma espécie de mirada territorial no planejamento das ações, além da busca permanente da equidade nas ações, que são aspectos marcantes nas diversas experiências que aqui se apresentaram. Segue uma síntese, sob minha responsabilidade, das apresentações e debates realizados no evento.

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Medicina no Brasil: cada vez mais desigual!

Uma atualização do Censo Demografia Médica, já abordado aqui no blog em diversas ocasiões (ver link ao final), divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que o Brasil quase duplicou o número de médicos nos últimos 14 anos, passando de 304 mil, em 2010, para cerca de 576 mil, em 2024. Ali se revela, ainda, que nenhum estado registrou diminuição da quantidade de médicos ou da densidade médica nesse período, mantendo-se, porém, as disparidades socioeconômicas e de infraestrutura de saúde nas diferentes regiões do país. Por exemplo, o DF, conta com 6,3 médicos a cada mil habitantes; RJ, com 4,3; SP (3,7); ES (3,6); MG (3,5) e RS (3,4), todos acima da média nacional que é de 3,07 profissionais a cada mil habitantes. Por outro lado, estados como AM, com média de 1,6 médico a cada mil habitantes; AP, com 1,5; PA, com 1,4; e MA, com 1,3, apresentam as menores cifras, embora tenham mostrado incremento superior a 67% nos últimos 14 anos. O próprio presidente do CFM, José Hiran Gallo, em um raro intervalo em sua militância bolsonática, defende a necessidade de políticas públicas focadas na redistribuição de médicos pelo território nacional, com o objetivo de minimizar as desigualdades regionais no acesso à saúde, destacando ainda a necessidade de programas de formação de profissionais voltados para as necessidades específicas de cada região. Disse ele: “Apesar desse quadro mostrar o aumento significativo da presença dos profissionais no país, o CFM entende que se mantém o cenário de desigualdade na distribuição por conta da fragilidade de políticas públicas que estimulem a migração e fixação em áreas distantes ou de difícil provimento”. Os dados do mesmo levantamento realizado em 2023 mostram o seguinte cenário.

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